25.11.07

QUANDO O VERÃO CHEGAR

Das mãos de um amigo recebi uma plantinha, com mais ou menos 10 centímetros. Veio de onde? Não sei. O que sei é que foi meu presente de aniversário naquele ano. Plantamos, eu e minha mãe, aquela pequenina no nosso, também, pequeno quintal.

O aniversário passou, a primavera acabou, e tudo seguia seu curso. Eu na minha rotina... trabalho, trabalho, trabalho, e mais trabalho. E a plantinha? Estava muito bem aos cuidados de minha mãe.

Algum tempo mais tarde, creio que uns 5 anos, com o desejo de mudar de rumo, dei uma parada geral na minha vida. Olhando para mim, passei a ter tempo para olhar o que estava a minha volta. E nesse olhar, passei a cuidar da plantinha que, então, se tornara uma pequena e linda árvore.

Acompanhando seu desenvolvimento, comecei a sentir que ela sofria. O lugar onde estava não lhe era agradável. Pouco espaço, pouco sol, pouco... tudo era pouco. Mas era a minha planta preferida.

E nas manhãs lindas de primavera, com um sorriso – que era só pra mim – ela retribuía o meu “bom dia rainha”. E nesse encantamento primaveril fui percebendo seus sinais de descontentamento. Soberana, esbanjando simpatia e sem perder a elegância, ela esperou o momento certo e, confiando na intimidade que nos unia, disse-me que precisava mudar. E agora, como ficar sem a minha preferida? Mesmo sofrendo, entendi que assim como eu, que por me sentir sufocada, decidi mudar de ares, também ela precisava de outro lugar onde pudesse se desenvolver plenamente.

No coração, senti o quanto estava apaixonada por aquele ser vivo-verde-encanto em terra, e percebi que o momento, por mais que doesse, pedia o desapego. Na despedida ela chorou, seus galhos murcharam. Eu fiquei firme. Meu amor, que já era grande, mostrava-me que ela precisava passar pelo desconforto da mudança para continuar vivendo bem.

Sua viagem foi tranqüila, dois homens a transportaram com o respeito e o carinho dignos para sua nobreza. Mesmo assim, sei que ela sofrera. Não quis acompanhá-la, não queria que ela percebesse que eu também sofria. Então, fiquei olhando sua partida na reta da vida até onde meus olhos alcançaram.

Tempos depois fui visitá-la em seu novo endereço. Lugar amplo, bonito, cheio de harmonia e luz. Percebi que a mudança deixou-lhe uma pequena depressão em seu tronco. Mas vi e senti que água, espaço, sol e carinho estavam lhe fazendo muito bem.

Quem a recebeu, um amigo querido, cobria-lhe de mimos, valorizando cada progresso daquela árvore que lhe fora dada de presente por mim. Seus olhos brilhavam e em suas palavras, muitos elogios para a rainha.
- Ela está crescendo, está linda...
- Já cresceu tanto que ultrapassou a altura do sobrado...
E a rainha, naquele espaço, majestosamente seguindo a vida nos dias de sol, de chuva e de vento, até enfrentou uma enchente.

E a enchente? Como a água do rio que corre pro mar, ela passou. E como tudo passa, chegou a vez de o meu amigo ir embora. E agora? Endoideci. Como ficará a rainha? Desesperados sentimentos, tumultuados pensamentos: As pessoas, também, passam por nossas vidas.

A árvore e eu, em nossos lugares ficamos. Faceira e forte ela toma conta do seu lugar. Já não há mais nenhum resquício do sofrimento da partida. Generosa e agradecida, abraça tudo o que há de bom na primavera e se prepara para se esparramar de amor, em agradáveis balanços e sombras – quando o verão chegar -

JacintaDantas

6 comentários:

Luis Eustáquio Soares disse...

é isso jacinta , gostei igualmente de seu texto, tessitura de raízes, a enraizar-se no solo da delicadeza, no qual e através do qual nos sabemos muitos, animais e vegetais, e cuidamos, inteligentes que somos, de ambos.
meu abraço,
l uis

APPedrosa disse...

Oi Jacinta,

obrigada por suas visitas sempre tão gentis lá no Escritos.
Que texto mais lindo! Minha mãe adora plantas e eu fiquei lembrando dela contando suas histórias e ouvindo as histórias dos habitantes do seu pequeno jardim.
Abraços,
Ana Paula

Flavia disse...

Recordei-me dos textos de Caio F.Abreu, conhece o autor?
Ele, no fim da vida, resolveu refugiar-se em Porto Alegre pra "cuidar" da doença. E foi nessa época que ele descobriu as graças de se ter um jardim. São lindos os textos dele falando das plantas, das lutas delas, assim como o seu texto, ele trata as plantas como pessoas e vice-versa.

Bjs!

Anônimo disse...

Seu blog é um encanto!
E que belíssimo esse texto... me presenteou com belas imagens!

Obrigada pela visita ^^

Bjos

Jacinta disse...

Encanto puro de Conto. Fico imaginando a rainha, generosa que é, emprestando seu corpo para que outras vidas se hospedem, como as orquídeas, e quem sabe, um lindo casal de araras azuis. E eu também, como diz o cantor, quero descansar à sombra dessa árvore, ouvindo os passáros cantar.

Ana Paula

Wellington Felix disse...

A delicadeza do cuidar,desse respeito pelas vida, esse abraço giganteco do amor, é o que nós humanos precisamos entender, que a planta, que o bicho, que o mato não são seres inferiores, e sim fazem parte conosco de um todo, essa compreensão do todo que habita em voce, é o salto quantico que a humanidade precisa hoje, tiraste lagrimas de pura emoção.
Obrigado
Parabens, muito lindo.