28.8.09

UMA SEMENTE DE TRANSFORMAÇÃO

Em noite fria, escuto o cheiro que recende da terra molhada, e com a terra reflito. Sinto saudade de mim na vida de outros tempos. Saudade de amigos que se foram. Ronda-me uma melancolia que me parece síndrome de final de agosto, com tempo nublado e sol acanhado, indisponível para aquecer-me no desconforto da solidão. Os pensamentos voam... voam longe. Distante 20 anos da jovem romântica e sonhadora de outrora, dos encontros que primavam pelo viver dignamente no tom da fraternidade e do abraço, estou, hoje, seguindo, como todos seguem, fazendo o caminho, construindo outros e novos sonhos em cenários diferentes. Vinte anos: são duzentos e quarenta meses, sete mil e trezentos dias num tempo que demarca o intervalo entre o que foi e o que virá a ser, um tempo que antecede a maior idade; tempo de mudanças que exige responsabilidade. Tempo que passa e se aproxima do tempo em que a prescrição pode ditar as regras do que foi e do que poderia ter sido. E, revivo no tempo que agora chove, as tão sonhadas conquistas num tempo de vislumbradas mudanças apontadas pelo brilho da esperança na década que visualiza coragem, despojamento e busca. Década de 1980, do clamor por Diretas Já, de gente se encontrando como povo... Década que se encerra com ruas cheias de gente no adeus ao irmão querido que volta à terra forçado pelo tempo de outros que não queriam enxergar que entrávamos num novo tempo. Ah terra amada! Qual é o limite de tempo nessa passagem de volta ao seu encontro? O que fica de cada um? Por hora sei: O que tenho é o que vejo em você: a certeza de que sou nada e sou tudo. Sou cheiro, sou água, sou, também, terra molhada. Do todo, sou um pedaço, curtido pelo tempo que se renova e se recria. Sou Mulher, irmã da lua, feita de terra que me faz Ser. Sou corpo, morada do universo, morrendo e renascendo, e quando não mais for, ainda assim continuarei a ser em suas entranhas. E, eu, mistura da menina que fui com a mulher que sou, vejo-me imagem, perfume e leveza do barro e do sopro que me constitui. Faço-me Terra, enamorada do sol que se reluz molhada e se faz linda, fecunda, prenhe da imensidão em forma feminina, geradora de vidas vividas em seu seio, solo de lutas e disputas, ambição, servidão, Redenção. Terra querida, em você, Gaia mãe, percebo os frutos da luta de seus filhos ilustres que em você se misturam e agora se tornam terra. Uma semente que contribui para a fecundação e transformação de novos filhos que de você virão.

14 comentários:

lula eurico disse...

!!!! que coisa linda, lindíssima!!! estou encantado com essa pérola! a maior declaração de amor à vida, à terra-mãe, ao planeta, à criação!!! valeu a pena reeditá-lo aqui!!! encheu-me de ternura e alegria, essa leitura!!!
Valeu a pena e... tudo vale a pena quando não é a alma pequena. E vc Jacinta, menina do nome de flor, é uma imensa alma feminina!!!

Beijos d'amigo declarado!!!

Jens disse...

Pô, Jacinta, depois do comentário do Eurico não resta muito a dizer, a não ser louvar a mulher em permanente transformação. Viva! Ontem, hoje e amanhã. O que foi nem sempre será. Como na canção, virão outras manhãs prenhes de sol e de luz.

Um beijo.

Germano Viana Xavier disse...

Observando teus textos imagéticos, Jacinta. Desenhos de se concluir algo.

Meu carinho.
Bom sábado.

Ilaine disse...

Jacinta... Menina, que texto mais lindo!

" O que tenho é o que vejo em você: a certeza de que sou nada e sou tudo. Sou cheiro, sou água, sou, também, terra molhada. Do todo, sou um pedaço, curtido pelo tempo que se renova e se recria. Sou Mulher..."

Um escrito simplesmente belo.
Parabéns, amiga escritora!
Beijo

Sueli Maia (Mai) disse...

O cheiro de terra molhada para mim, é infância, é vida correndo descalça.

Jacinta, adorei o texto, a imagem no template que jardim lindo.
Gostei da arte ilustrando o texto.
Interessante que lembrou-me uma jangada e dentro, alimento, peixes e a navegação, o ir, a busca...

Beijos,
Texto imagético.

Francisco Sobreira disse...

Jacinta,
Esse seu texto é de grande beleza. Sinceramente,é, para mim, o melhor que já li no seu blogue. O que me agrada, sobretudo, é o seu posicionamento em relação ao que foi e ao que é, ao passado e ao presente; ou seja, na medida em que você sente uma nostalgia de vinte anos atrás, quando estava cheia dos sonhos e das esperanças próprias da idade, agora, já mais madura, você não se deixa abater pela falência de alguns desses sonhos e a perda de uma pessoa querida, se mostra forte e disposta a acalentar novos sonhos que alimentem o seu passado e, porque não? o futuro. Isso é muito bom e é um exemplo que deveria ser seguido pelas pessoas, incluindo-se eu. Um texto comovente. Também lhe desejo um excelente fim de semana. Um abraço.

Amarísio Araújo disse...

Jacinta,

É delicioso o seu texto.Viajei nesse tempo de que você fala aqui!
Essa consciência de semente que precisa dar frutos e manter-se integrada a um todo que é a Natureza é,mais do que nunca,necessária aos homens.
É sempre gostoso experimentar a saudade assim.É vida plena.

Um lindo final de semana pra você.
Beijos.

Elcio Tuiribepi disse...

To com a Mai, cheiro de terra molhada, pés descalços correndo na lama...na chuva, no vento...enfim...é o renovar da vida, são os ciclos que nos levam levam de volta a inocência...um dia ela volta, a gente querendo ou não...ela volta...Um abraço na alma

Beto Mathos disse...

Nem sei onde estou depois de ler você. Só sei que mais leve, sem sapatos, alma lavadinha...
Beijo enorme!

Zeca disse...

Jacinta,

após tão longa ausência, sinto-me transbordando de prazer pelo belíssimo texto que acabo de ler! É uma linda declaração de amor à vida, que mostra a força e a coragem da mulher que se transforma com o tempo sem, contudo, perder a identidade com Gaia mãe, onde foi fecundada!
E que belos trabalhos ilustrando seus textos! Parabéns! Voltei no tempo e fui vendo-os, um a um, com prazer e, por que não?, um pouco de surpresa por descobrir na artista das palavras, uma artista das formas e das cores também!

Beijos, recheados de carinho e com cobertura de saudade.

Beti Timm disse...

Jacinta,

que bom, que louvor te sentir tão intensa, mais mulher do que nunca. Mulher forte que enfrentou todas as interperies da vida e hj se faz presente, única em versos, e formas delicadas e coloridas que mostram como está seu coração. Viva a doce mulher - intensa que nos acompanha.

Beijos e obrigada pelo carinho.

ANIMAÇÕES disse...

Oi.. tô vindo do Blog Verseiro do meu irmão Elcio..
agradecer seu comentário no Coisa de Pele..
e me deparo com este ost magnífico..
aí tenho que agradecer duplamente..

Parabéns
Bjs

Cacinho

Bordados e Retalhos disse...

Jacinta amei o texto.Você é demais! Artista das palavras de alma e coração. Bjs

Euza disse...

Demorei, mas cheguei! E que bom chegar nesta maravilha de texto, menina. São tantas imagens lindas. É tão primoroso o seu tecer literário que me faz ficar aqui admirando. Além das lembranças que me trazem, claro!
Bom demais estar aqui, querida.
Beijo grande