28.1.08

A FRAGILIDADE DE SER HUMANO

Foto: Alessandra C Filipi

Bem cuidada, a dama da noite se prepara para florescer. Suas folhas largas, com jeitão leguminoso, parecem prenhes de felicidade, anunciando que mais Vida chegará. O botão vai crescendo, crescendo e, daqui a pouco, será a flor que se abre quando a maioria, no jardim, dorme. Seu “estado de graça” é rápido, dura menos que o tempo da noite. Mas, é ela, a dama que enche, preenche e se derrama em perfume. Para garantir o seu conforto e proteger seu rebento do forte vento, seu botão é amparado, protegido por mãos humanas, para que possa se desenvolver plenamente até a noite do grande espetáculo.

Mas, na contramão do viver, a fragilidade de Ser Humano.

Mulheres, fazendo compras no Supermercado, estão agitadas, num burburinho geral. Olhares petrificados, perplexos, incrédulos. Não, não era verdade o que ouviam. Ela estava ali, ontem, fazendo suas comprinhas, escolhendo os biscoitos que mais lhe agradavam. Depois passou na lojinha e comprou uma canga para ir à praia domingo, comentavam as mulheres, falando, mais de uma ao mesmo tempo, enquanto escolhiam batatas, tomates, alface, laranja, maçã...
Afinal, era quinta feira, e a vida não pára. É dia de promoção; dia de providenciar os alimentos para manter vivo o corpo.

Mas, outro corpo que estava se tornando uma mulher, como botão sem cuidado, não experimentará o mistério do pleno florescimento. Quantos sonhos a menina acalentou ao longo de sua vida? Quantos...? Quantos...? Quantos...?

E o desejo, Ah, o desejo. O desejo de desabrochar.

Depois, o desespero, o medo, a incerteza, o desamparo. Em pleno século 21, a menina quis se livrar de tudo que a afligia e viu uma única saída: acabar com o problema. Agora, todos choram a partida da menina que, grávida de 03 meses, não suportando a pressão, quis abortar. A menina que mãe não era hora de ser, com apenas 14 anos, partiu e, de uma só vez, duas vidas foram interrompindas: dois botões morreram antes de florescerem.

É...
A dama da noite, com seus mistérios e encantos, floresce para a noite e se recolhe antes do alvorecer. Grande sabedoria! Vive o tempo que tem que viver, nem menos, nem mais.

20 comentários:

Dauri Batisti disse...

jacinta,

continuei uns pensamentos tentando dialogar com o que você disse no último comentário ao post "o que exponho e agrado, se agrado é teu" no essapalavra.

História triste essa que você relata aqui, não?

Dauri Batisti disse...

Essa flor na mão na foto acima é a tal de Dama-da-noite? Parece duas numa só, como na sua história. Fato ou ficção?

Jacinta Dantas disse...

Dauri,
que olhar heim!!!quis passar isso mesmo. Duas vidas.
A foto é de dama da noite sim. Tenho uma no meu quintal que está com alguns botões. Quando criança, ouvia muitas histórias envolvidas em mistérios, acho que é pelo fato dela florescer só a noite. Sei lá...
Quanto ao fato, infelizmente, não é ficção, aconteceu aqui por perto de casa. Penso que o "cuidado essencial" está precário...
Um beijo
Jacinta

Gi disse...

Linda a tau dama da noite, conheço tantas flores e essa desconhecia por completo.
Tão triste a tua história jacinta, fez-me ficar com um aperto no coração. Quantas meninas como essa não existirão pro esse mundo fora. Meninas que pelos mais diversos motivos nunca se tornam mulheres. Que se ficam florinha, pelo botão. Triste realidade.

Um beijo

Alex Sens disse...

Jacinta, que belo texto! Intenso e triste, mas real, e a poesia é forte, tão comum nos nossos dias... enquanto algué morre, outro desabrocha, floresce, respira brilhante. Não cessa essa coisa que chamamos de vida, não é? Mesmo que haja a morte.

Um beijo e obrigado pela visita :)

Flavia disse...

Assim é a Dama da Noite... vive o tanto que tem que viver, nem um dia a mais nem um dia a menos.
Lindas palavras e verdadeiras!

Bjs!

Unknown disse...

Que linda forma de contar algo tão triste. E que bela analogia com uma das mais lindas flores que poucos têm o prazer de conhecer.
Bjinhos. ;)

Adriano Caroso disse...

Poxa! Agora eu fiquei triste. Linda a foto, linda a história, mas muito triste. Mas, temos de falar das tristezas da vida para entendermos a importância dos momentos alegres. Eu também falo sobre tristeza, normalmente nos momentos de mais alegria. Isso é estranho mas é verdade. Você encontrou uma forma muito interessante de fazer isso. Beijos!

John Doe disse...

ainda não descobri como consegue fazer estas analogias tão perfeitas...

yuri assis disse...

me lembrou clarice lispector em vários momentos do texto...
todo segundo é demais nesse tempo traiçoeiro.

beijos e boa noite!
p.s.: vim aqui colher uma flor e achei uma dama-da-noite, com seus mistérios de vida e desvida. quem saberá? todos pressentimos.

Katia De Carli disse...

Oi querida
Também tenho uma dama da noite... como não acredito em coincidências: maktub!
Mas a história me tocou profundamente... fiquei pensando quantas vezes também quisemos pôr fim a tudo, com 14 ou 40, com bebê ou sem ele, e o ato final será extrema coragem ou covardia?
Essa dúvida me acompanha desde minha primeira crise...
beijos

Jacinta Correia disse...

A tristeza de ver vidas inacabadas... interrompidas... A dama da noite faz-me lembrar o poema de Ricardo Reis (heterónimo de fernando Pessoa meu poeta preferido) - "As rosas amo do jardim de Adónis, que em o dia em que nascem em o mesmo dia morrem" não conhecem pois a escuridão. Que todas as pessoas aprendam a ultrapassar a dor de uma noite ecura! Fiquem bem! Bj

Rô Rezende disse...

Que linda a dama da noite, nunca tinha visto a flor, embora sempre sinta o perfume 'suave'.

Uma história triste a da moça, e infelizmente, muito repetitiva...ainda mais em uma sociedade que cada vez mais crianças se iniciam na vida sexual antes do tempo, gerando outras crianças e sem saber como lidar com isso, acabam tomando a pior decisão...

Bjos

Paulo disse...

Há, neste blogue, uma neblina perfumada quem me agrada..
Beijo
Paulo
Portugal

Unknown disse...

Quem dera tivessemos 1/4 dessa sabedoria!

Beijo

Unknown disse...

obrigado pela sua opinião volte sempre

Anônimo disse...

Lindo - e agostei ainda mais do post anterior - vou copiar para mim.
abraço!

Anônimo disse...

Enquanto não (re) educarmos a nossa emoção,será possível que em algum momento utilizemos a fuga como "solução".

Bjos,
Lúcia elena

Madalena Barranco disse...

Jacinta, querida, que tristeza... Como pode flor tão bonita fenecer como se humana fosse? Pode haver metáfora mais perfeita do que essa? Beijos.

Anônimo disse...

História triste essa... aconteceu realmente? conhece a dama da noite?
de qualquer forma, o texto é muito bonito...


beijos